Depois de duas semanas intensas relativas à morte, velório e enterro do Papa Francisco, ainda em tempo da novena de luto (novediais), o mundo inteiro, especialmente o católico, se volta para Roma. Ali estão ocorrendo as reuniões dos cardeais nas chamadas Congregações até o dia 07 de maio quando começa o Conclave com a celebração da missa pela eleição do novo Papa. As diversas redes de notícias vão emitindo palpites sobre os possíveis candidatos à cátedra de Pedro, sucedendo Francisco. Bolsas de apostas e até Bets do Vaticano atraindo milhares de apostadores. A Europa lidera o ranking com 63% vindo a Ásia com 24% das apostas. Mas, seria esse o caminho mais adequado em termos de fé cristã? O que nos é possível pensar como cristãos católicos? 3a543f
Em primeiro lugar, é preciso considerar que a Igreja é santa e pecadora. É dimensão do mistério de fé, mistério de salvação, e também está sujeita ao pecado enquanto trilha os caminhos do mundo. A Igreja está no mundo e nele deveria ser luz que ilumina, e não sombra. Em momentos muito difíceis do ado e do presente, é possível perceber de maneira bem nítida a presença de Deus na história. Daí nossa razão de fé. Mas também é possível perceber muitos vendavais, muitas nuvens carregadas, muitas sombras. Por isso nossa confiança no processo de conversão das pessoas responsáveis pelos pecados da Igreja.
A escolha de um novo pontífice não é igual à escolha de um presidente da república ou do congresso nacional. Cada cardeal eleitor não está ali para atender suas bases eleitorais, mesmo porque ele não foi eleito pelo povo. A ideia de eleição como conhecemos hoje possui uns três séculos. Foi com a Revolução sa e a teoria da tripartição dos poderes que os Estados modernos criaram suas constituições e as formas de governar a sociedade.
A Igreja é muito anterior a esta teoria e prática. Desde o Apóstolos tinha-se como preocupação central a sucessão daqueles que foram escolhidos por Jesus Cristo. A escolha do novo Papa se enquadra nessa forma de escolha. Por isso, há momentos de votação e momentos de muita oração. A escolha deveria estar em sintonia com a experiência de sucessão apostólica. Se houver erro, este faz parte da dimensão humana da Igreja. O Espírito de Deus sempre é graça presente, mas a liberdade dos homens pode não dar ouvidos a Ele.
Entre tantos prognósticos a respeito do futuro Papa, alguns pontos nos parecem importantes para ser considerados. O que deveria decidir o voto dos cardeais seria a recepção do Concílio Vaticano II como havia sido proposto ao cardeal Mário Bergoglio, Papa Francisco. Desconsiderar as constituições e decretos do Concílio Vaticano II seria um grande equívoco por parte dos cardeais.
As mudanças definidas em um Concílio não acontecem da noite para o dia. Ainda há muitas resistências às reformas conciliares. Algumas pessoas chegam mais tarde na caminhada eclesial, e por isso, em determinadas situações é prudente mudar mais devagar. Ao mesmo tempo, não podemos esquecer que ainda está em fase de implementação o Sínodo dos Bispos que teve uma Assembleia conclusiva em outubro de 2024. Portanto, tempos dois eventos eclesiais da mais alta importância para a Igreja: o Concílio Vaticano II e o Sínodo dos Bispos. Diante dos cardeais está um projeto de vida e abertura da Igreja, de renovação e de esperança. Por isso, um Francisco II expressaria a continuidade de renovação da Igreja que se expressou de maneira muito forte no Concílio Vaticano II.
Em termos geopolíticos, nos parece importante considerar a abertura da Igreja para os continentes asiático e africano. O colégio de cardeis hoje está bem alterado. A Ásia ou de 9 cardeais na época de Bento XVI para 37 agora. Triplicou. A África ou de 9 cardeais para 28 com o Papa Francisco. Por outro lado, a Europa subiu de 58 para 113 cardeais. De 48 países representados na eleição de Francisco, chega-se agora a 70 países, com línguas bem mais diferentes. Predomina um maior desconhecimento entre eles. O convívio e conhecimento serão muito importantes na hora da eleição. Apesar disso, não se deve entender que o conclave seja uma disputa entre países ou continentes. A geopolítica interfere muito menos que a sociedade civil está acostumada a ver em outras situações. Contudo, não podemos ser ingênuos.
Alguns pontos do programa para o governo da Igreja com o novo Papa são mais desafiadores para toda a Igreja. São eles: a acolhimento de casais em situações consideradas irregulares; acolhida dos mais pobres em vista da transformação social e não da prática assistencialista; a maior presença das mulheres nas instâncias de poder, de decisão, que vai das comunidades até os Dicastérios romanos; a prática da sinodalidade, do caminhar junto, em todas as instâncias eclesiais, das Comunidades às Conferências Episcopais; e práticas litúrgicas pré-Vaticano II (rito tridentino) em grupos ultraconservadores. Alguns desses pontos ou todos poderão influenciar na hora do voto.
Por fim, enquanto católicos não deveríamos entrar na onda como se fôssemos torcida de futebol. A polarização que nos absorveu no mundo sociopolitico não pode estar presente nesse momento tão importante da vida eclesial. Por isso, nosso empenho é de cunho espiritual. É preciso que todos, todos, todos, como dizia o Papa Francisco, rezemos para que haja no momento do Conclave um verdadeiro DISCERNIMENTO NO ESPÍRITO.
Bora olhar, e rezar!
Edebrande Cavalieri